quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Realidade 3D

Fui apresentar meu novo projeto cinematográfico ao meu produtor. Ele leu e me disse que gostou protocolarmente. Depois suspirou, fez uma pausa e falou:
– Bergman, veja bem.
Sempre que alguém diz “veja bem” eu me acomodo na cadeira.
– Os tempos são outros – disse ele.
– Não tenho como discordar – e acrescentei, para quebrar o gelo (aqui na Suécia é abundante) – e os de amanhã serão outros ainda.
Papo cabeça é comigo mesmo.
– Veja bem – insistiu.
Dessa vez pensei em dizer que eu iria procurar um oculista logo que saísse dali, mas me calei porque vi que o assunto era sério.
– Até o Woody Allen está fazendo algumas concessões para viabilizar suas produções. Em nome do financiamento, ele tem filmado fora de sua amada Nova York, vem aceitando dinheiro de prefeituras e governos locais que queiram ter suas cidades como cenário de seus filmes. Você sabe, isso ajuda a promover o turismo. E como você influenciou Woody, pensamos que agora ele poderia lhe retribuir a influência.
– Entendo. Vamos logo, onde vocês querem que eu rode meu novo longa?
– Dubai.
– DUBAI? É difícil ambientar um drama existencial em condomínio em forma de palmeira que adentra pelo mar. Ninguém tem conflito interior em Dubai.
– Bergman, são tempos difíceis para o cinema. Woody pensa até em filmar no Rio de Janeiro.
– OK, se for o único jeito.
– Na verdade, queremos lhe pedir só mais uma pequena concessão.
– Mais uma?
– Na verdade, uma que vale por três. Será necessário que você rode também uma versão em 3D. Pronto, falei.
– Explique melhor.
– Muda muito pouca coisa. Imagine a sua cena clássica de O Sétimo Selo, aquela em que o personagem joga xadrez contra a morte. Na hora da captação, bastaria fazer algumas tomadas extras que valorizam o recurso do 3D, como, por exemplo, a mão da morte movimentando um peão em direção à câmera. É só para dar uns sustinhos na plateia.
– E se eu não aceitar...
– Vai ser muito difícil financiar seu filme.
– OK, era isso?
– Uma última coisa: precisamos de sua autorização para lançar uma linha de bonecos dos personagens principais.
– Mas quem disse que meu filme é infantil?
– E quem disse que é a criança que compra esse tipo de coisa hoje em dia?
Cheguei em casa arrasado. Não quis nem discutir a relação com a Liv. Mas ela, com seu senso prático de mulher, consolou-me e ainda me aconselhou:
– Berg, as poltronas estão muito confortáveis para os seus filmes. Ninguém mais vive de mostras e cineclubes. Se for para aderir, vamos com tudo. Proponho até que você mude o titulo da película para O Oitavo Selo – a Revanche.